Elcana era levita por descendência e efraimita por residência. Esta Ramataim-Zofim é a famosa cidade de Ramá. Ao que parece Ana foi sua primeira esposa, e ao ver que ela era estéril, Elcana casou-se também com Penina para que pudesse ter filhos. Uma espécie de “imortalidade” era conseguida através da continuidade da linhagem genealógica. Um israelita temia “morrer” se sua linhagem fosse descontinuada devido à ausência de filhos. A poligamia não era proibida pela lei mosaica (Dt 21.15-17). Os fatores que impediam a poligamia eram mais financeiros do que moral. Um rei que dispunha de muito dinheiro e autoridade tinha grande número de esposas e concubinas.
Um homem mais pobre contentava-se com apenas duas mulheres. E um homem realmente pobre podia possuir apenas uma única esposa. O valor de uma esposa para a maioria dos israelitas estava ligado ao fato dela pode gerar filhos ou não. Porém, mesmo Penina gerando filhos e Ana sendo estéril, Ana ainda era mais amada por Elcana do que Penina. Isso, por certo, gerou em Penina um sentimento de “desvantagem” em relação à Ana. Penina não podia afrontar Elcana, por isso afrontava Ana, irritando-a, provocando-a e a tomando por rival, aquela que nenhum mal lhe fizera. Anualmente os hebreus tinham de sair de suas casas e irem adorar e sacrificar ao Senhor em Siló. Siló ficava a aproximadamente 24 quilômetros de Ramataim-Zofim, essa distância representava para uma família uma viagem de dois dias. A lei estabelecia três festas anuais que os varões hebreus tinham de ir, essas festas eram Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos (Ex 34.23; Dt 16.16).
Elcana, pois, fazia pelo menos uma peregrinação anual. Em Siló estava o centro da adoração nacional a Yahweh. Somente algumas décadas mais tarde que Salomão construiu o templo em Jerusalém. Contudo, mesmo depois da mudança para Jerusalém, Siló continuou sendo um lugar sagrado. Em Siló as pessoas sacrificavam ao Senhor. Exceto os holocaustos, porções dos sacrifícios eram consumidas pelos sacerdotes e por aqueles que os ofereciam. Oito porções diferentes dos sacrifícios cabiam aos sacerdotes (Lv 6.26; 7.11-24; Nm 18.8).
Essas porções eram compartilhadas em algumas ocasiões por aqueles que traziam animais para serem sacrificados. Por sua parte, as ofertas pacíficas requeriam que a gordura e o sangue fossem entregues ao Senhor (a gordura era queimada e o sangue derramado), mas o peito e o ombro direito do animal eram porções que pertenciam aos sacerdotes. O restante pertencia a quem tivesse trazido o animal para ser sacrificado e à sua família.
Dessa parte que restava Elcana dava porções a Penina, seus filhos e dava porção dupla a Ana. Naqueles dias, Eli era o sumo sacerdote e Hofni e Fineias (filhos de Eli) eram os sacerdotes. Certo ano, a perseguição de Penina contra Ana foi tão intensa que a deixou extremamente angustiada, a ponto dela apenas conseguir chorar, não lhe restando vontade nem ao menos de comer a porção dos sacrifícios que cabia aos adoradores. Dá-nos a entender que sua dor era tão grande que por um instante ela deixou sua família em umas das refeições festivas em Siló e foi ao tabernáculo orar.
Ana quase não conseguia falar, apenas chorava. Ela pranteava em voz baixa (aparentemente os votos eram feitos em voz alta) e o sacerdote Eli pensou que ela estivesse embriagada. O texto bíblico diz que “Ana, no seu coração falava, e só se moviam os seus lábios, porém não se ouvia a sua voz” (ISm 1.13). Como disse John Bunyan: “É melhor orar de coração, mas sem palavras, do que orar com palavras, mas sem coração”. No entanto, Ana se defendeu apropriadamente dizendo a Eli que ela não estava embriagada, mas grande era a dor do seu coração e o sacerdote no mesmo instante mudou seu posicionamento acerca dela e a despediu em paz.
O que provavelmente Ana ainda não sabia era que a necessidade dela estava paralela a “necessidade” da casa de Deus. Ana desejava um filho, mas Deus desejava um profeta. Um filho para Ana daria um fim à humilhação que ela vivia em sua casa; um profeta para Deus daria um fim à apostasia que estava acontecendo na Casa do Senhor em Siló. Hofni e Fineias estavam desviados de Deus, moldados ao pecado e foi através de Samuel que Deus realizou uma revolução espiritual em todo Israel.
O voto de Ana dizia que se Deus a desse um filho ela o devolvería a Deus para que pudesse viver no tabernáculo de Deus por toda sua vida. Não era uma decisão simples. Este voto falava sobre uma renúncia pessoal de criar o próprio filho consigo em casa. Além disso, o filho não era só dela, e pela lei mosaica o marido podia anular o voto da esposa caso não concordasse (Nm 30). No entanto, Elcana concordou por amor a Deus e a Ana que o voto fosse cumprido caso Deus os presenteasse com um filho. É admirável a atitude de Elcana em concordar com a entrega a Deus de seu filho primogênito com sua amada esposa.
Elcana estava entregando o seu filho como um sacrifício vivo ao Senhor. Interessante notar que todo esse processo que Ana viveu, serviu para consolidar sua fé e sua fidelidade a Deus. Parecia injusto uma mulher de índole tão má quanto Penina, ter uma porção de filhos, enquanto que Ana, com toda sua fé e devoção a Deus, sofria devido a sua esterilidade. Ana havia aprendido a ser fiel a Deus mesmo quando aparentemente o errado estava sendo tido como certo, e o certo como errado. Uma confiança incondicional havia se apoderado dela, e isso a ajudava a permanecer com a mesma fé em Deus, mesmo não estando vivendo aquilo que por certo ela desejaria viver. Deus ouviu a oração de Ana e lhe deu um filho.
Seu nome era Samuel. O termo hebraico sa-al quer dizer “pedido” e sam a significa “ouvido”, enquanto que El é um dos nomes de Deus, de modo que Samuel significa “ouvido por Deus” ou “pedido a Deus”. De acordo com 1 Samuel 1.20, o último significado é o mais correto. Após ter sido desmamado Ana levou Samuel a Siló e o entregou ao sumo sacerdote Eli, lembrando-o o encontro anterior e cumprindo assim o seu voto, para que ele vivesse por todos os dias da sua vida na casa do Senhor. Antigamente, as mulheres israelitas amamentavam até aproximadamente três anos de idade. Todos os anos Ana ia a Siló e levava uma túnica de presente para Samuel.
O Senhor foi gracioso com Ana e posteriormente ela deu a Elcana mais três filhos e duas filhas (ISm 2.19-21). No cântico de Ana (ISm 2.1-10), Ana expressa em seu louvor que “a que tinha muitos filhos enfraqueceu”. Há os que interpretam essa frase como Deus abrindo a madre de Ana e fechando para sempre a madre de Penina, fazendo dela então uma mulher estéril. A expressão “a que era estéril teve sete filhos” talvez não seja literal, mas sim figurada, já que a Bíblia diz que após Samuel ela teve apenas cinco filhos. A expressão “sete” aqui provavelmente sugira realização total, já que na Bíblia o número sete é o número da perfeição. Ana foi uma mulher extraordinária em sua integridade, fé e compromisso com Deus. Manteve seu voto a um grande custo pessoal e tornou-se um modelo para todas as futuras gerações.
Fonte: Enciclopedia dos personagens bíblicos
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