É só determinar e pronto! Esse ensino tem provocado atitudes absurdas
Com a ascensão da chamada teologia da prosperidade, o texto de Mateus 16.19 ganhou ênfase especial: “E eu te darei as chaves do Reino dos Céus, e tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus”. Baseados nessa passagem bíblica, alguns pregadores adeptos da teologia da prosperidade começaram a “determinar” e até mesmo “mandar em Deus”. A lógica parece perfeita: se o que eu ligo aqui na terra será ligado no Céu, então parece bastante obvio que a terra manda de fato no Céu. É só determinar e pronto! Esse ensino tem provocado atitudes absurdas. Por exemplo: Para que gastar longas horas em oração, se podemos simplesmente “determinarmos” que Deus faça isso ou aquilo? Para que suplicar algo a Deus, se Ele tem o “dever” ou até mesmo a “obrigação” de endossar o que se determina?
Outro dia eu andava por um bairro da periferia da minha cidade e fiquei surpreendido com uma cena que presenciei. Encontrei duas jovens pertencentes a uma dessas igrejas praticantes da “Teologia da Determinação”. Elas estrategicamente se moviam de um lado para o outro da rua. Aproximei-me e as indaguei o que estavam fazendo ali. A mais velha disse-me que estavam “determinando” a saída de satanás daquela área! Aquele episódio deixou-me perplexo, pois aprendi pela Bíblia Sagrada que a melhor maneira de fazer o diabo ir embora de um lugar é através da ação evangelística da igreja: “Então saíram e pregaram que todos se arrependesse; e expulsavam muitos demônios” (Mc 6.12,13). A pergunta, portanto, é: “Qualquer coisa que fizermos aqui será endossada pelo Céu?”
Análise Exegética
Primeiramente, vejamos as duas formas diferentes como esse texto do Evangelho de Mateus tem sido traduzido em nossas versões em português:
a) Almeida Revista e Corrigida (ARC) – “E eu te darei as chaves do Reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.
b) Almeida Revista e Atualizada (ARA) – “Darte-ei as chaves do reino dos céus, o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra será sido desligado nos céus”.
No original grego, as expressões éstai dedeménon (ligar) e éstai lelyménon (desligar) são um perfeito perifrásico. No grego, o tempo perfeito indica uma ação ocorrida anteriormente, mas com reflexos no presente. Ao comentar o sentido do uso do perfeito perifrásico nesse texto, o especialista D.A Carson diz que, nessa passagem, estamos diante de uma “questão paradigmática”, e comenta: “Neste caso, questões paradigmáticas realmente rompem barreiras e fazem a evidência decididamente perder para a tradução ‘b’’’. Em palavras mais simples, Carson traduz esse texto como “Terá sido ligado/terá sido desligado” (Carson, D.A. A Exegese E Suas Falácias –perigos na interpretação da Bíblia, op.cit.). Da mesma forma, a Chave Lingüística do Novo Testamento Grego, ao comentar essa passagem, afirma: “Esta construção é futuro perfeito passivo parifrásico traduzido como ‘terá sido amarrado’, ‘terá sido solto’’’. E ainda observa: “É a Igreja na terra levando a efeito as decisões do Céu e não o Céu ratificando a decisão da Igreja”.
O sentido correto
Thomas ice e Robert Dean, ainda sobre esse texto, acrescentam: “Uma tradução que reforça esse sentido do original grego diria o seguinte: ‘Eu lhe darei as chaves do Reino dos Céus, mas o que você ligar na terra será aquilo que já foi ligado no Céus, e o que você desligar na terra será aquilo que já terá sido desligado nos Céus’’’. “Pedro deveria ligar coisas na terra, mas somente aquilo que já tivesse sido ligado no Céu. Pedro deveria estabelecer o padrão terreno de entrada no Reino do Céu, baseado no padrão que Deus já estabeleceu no Céu. Pedri deveria ser um mediador da Plavra de Deus entre Deus e o homem, esse padrão é o que Pedro afirmou em Mateus 16.16, que Jesus é ‘o Cristo, o Filho do Deus vivo’’’ (ICE, Thomas & Dean Jr Robert. Triunfando na Batalha. Editora Chamada da Meia Noite. Rio Grande do Sul, RS).
A necessidade da Apologética
Como vemos, são interpretações equivocadas de passagens como a de Mateus 16 que provocam heresias e confusão na vida de muitos cristãos. Isso mostra a necessidade da praticar apologética em nossos dias. A defesa da fé evangélica bíblica se constitui uma das razões que justifica a necessidade da apologética. O teólogo Norman Geisler, em sua Enciclopédia de Apologética, enumera razões que justificam a necessidade da apologética:
1) Deus a ordena – Geisler argumenta sobre 1 Pedro 3.15,16: “Estar pronto não é só uma questão de ter a informação correta à disposição, é também a atitude de prontidão, e vontade de compartilhar a verdade sobre o que acreditamos”.
2) A Exigência da Razão – É pelo raciocínio que os humanos se distinguem dos “animais irracionais” (Jd v.10).
3) A necessidade do Mundo – As pessoas se recusam a crer em sem provas. Evidencias da verdade deve preceder a fé.
Há uma estreita relação entre apologética e as ciências da interpretação. Qualquer apologia que não se alicerça na hermenêutica e na exegese bíblica não pode ser considerada como apologia confiável. Por um lado, a hermenêutica é a ciência da interpretação e por outro, a exegese é a aplicação dos princípios da hermenêutica.
A exegese tem, portanto, o objetivo de extrair de um texto o Maximo do pensamento do autor. No dizer de Gordon D. Fee, “é descobrir qual era a intenção original das palavras da Bíblia.
Pr. José Gonçalves
Pastor em Água Branca, Piauí, graduado em Teologia pelo Seminário Batista de Teresina e em Filosofia pela Universidade Federal do Piauí. Ensinou grego, hebraico e teologia sistemática na Faculdade Evangélica do Piauí. É comentarista de Lições Bíblicas da Escola Dominical da CPAD. Site: pastorjosegoncalves.blogspot.com.br
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